sexta-feira, 9 de março de 2012

Perdão


Sentou-se no banco gelado. Não havia mais ninguém ali, pelo menos não havia ninguém que ele pudesse ver. Algumas luzes estavam acesas em pontos específicos. Na maior parte do local, sombras. Era uma capela à beira da estrada.
Passava por ali, enquanto dirigia acima do limite de velocidade permitido. Quando passou, a pequena igreja surgiu como um borrão. Deu marcha à ré. Parou. Durante cinco minutos ficou ali, imóvel, apenas olhando. Respirou fundo. Desceu do carro devagar. Entrou na capela.
Há anos não entrava em uma igreja. Havia esquecido as orações que aprendera quando criança. Mas certa vez lhe disseram que Deus ouve com mais atenção as orações do coração, as orações da alma. Orações naturais, sem palavras decoradas. 
Olhou a cruz à sua frente. Seu olhar era firme, compenetrado. Um olhar triste, sofrido. O olhar de um homem que perdeu seu sorriso. Naquele dia sua esposa faria aniversário. Mas ela partira há quinze anos. E desde então, aquele ser humano se transformara. Todas as luzes de sua vida haviam se apagado, todos os sons emudeceram. E o seu sorriso... Bem, o seu sorriso já não mais existia. Seu coração? Este foi para dentro da sepultura com o motivo de suas batidas.
Há quinze anos, aquele homem levantava todos os dias e questionava o porquê de tudo aquilo ao Deus que julgava ser a pior das criaturas. Naquele dia, encarou aquela cruz, olhou aquelas paredes e como quem não consegue controlar suas palavras, despejou-as em um tom alto demais para o silêncio que ali prevalecia. Por que você tirou ela de mim? Por que tirou de mim o motivo dos meus sorrisos mais sinceros? Por que tirou de mim a minha alma...? Que tipo de Deus é você que permite que as melhores coisas sejam arrancadas de nós, sem mais nem menos? POR QUE VOCÊ FEZ ISSO COM ELA? POR QUE FEZ ISSO COMIGO?!
Seu coração era um mar de mágoas. Um mar de solidão. Um mar de saudade.
E o mar transbordava pelos olhos...
Com as cabeça entre as mãos, chorou. Chorou por horas, sentado ali naquele banco de madeira.
Por horas, pensou em todos os anos que passara com a mulher de sua vida. Lembrou do seu sorriso, da maneira como ela andava, falava. Lembrou de como ela era linda... E as lembranças o fizeram dar um leve sorriso. Um sorriso dolorido, cheio de saudade. Mas ainda assim era um sorriso.
A mágoa ainda existia, a dor ainda era excruciante. Mas de alguma forma, ali, naquele banco gelado, ele entendeu. Entendeu que apesar de ser doloroso para quem fica, algumas pessoas simplesmente precisam partir um pouco mais cedo.
Olhou a cruz. Agradeceu por ter tido a chance de ter convivido com aquela mulher incrível. Agradeceu por ainda conseguir sorrir com as lembranças que ela havia deixado.
"Obrigado", disse.
Fez um leve aceno com a cabeça e saiu.