segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Pintora.


Vai, menina

Pinta seu mundo, colore seu dia
Vai menina, pega a tinta e o pincel
Cria formas, cria cores
Faz o que quiser, a tela é sua, o mundo é seu

Faz do seu jeito
Os juízes são seus olhos
Quem diz se é belo ou não é seu coração
O que mais importa então?

Joga as cores, misture-as se precisar
E não se incomode se um pouco de tinta azul respingar no seu cabelo
Um pouco de cor nunca fez mal à ninguém

Colore, menina
E quando terminar essa tela, começa uma nova
O branco sempre vai estar aí
Esperando que você coloque nele seus próprios tons.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Fria.


Saiu da água. Os cabelos molhados cobriam parte de seu rosto desfigurado pela dor. A água estava quase tão gelada quanto sua alma. As gotas cobriam seu corpo, misturando-se às lagrimas que caíam compulsivamente dos seus olhos vermelhos. Era quase noite. O sol havia se posto quase que completamente. Não havia ninguém ali. Silêncio. Só o que se ouvia eram ruídos baixos do vento batendo nas folhas das árvores. Ela não emitia som algum, apesar de estar com o coração aos gritos dentro de si. Mas não importava. Ela aprendeu a ignorá-lo, aprendeu a fingir que não escutava os pedidos frenéticos de socorro que vinham do fundo de seu peito. Aprendeu a ficar em silêncio, a deixar as lágrimas rolarem sem fazer barulho, sem incomodar ninguém. Aprendeu a ficar sozinha, mesmo morrendo de medo disso. Mas não havia mais nada a ser feito, essa era sua única opção. Calar-se, fechar-se. Ninguém a ouviu quando gritou, ninguém atendeu seus pedidos, ninguém ficou do seu lado quando precisou, ninguém secou as lágrimas que cobriam seu rosto... Pois agora ela não precisava mais. Ou ao menos fingia que não.
Saiu de casa naquela tarde fria sem noção alguma de onde ir. Só começou a caminhar... Andou sem ver, deixou que seus pés a levassem pra qualquer lugar. Quando se deu conta, estava nua à beira daquele lago gélido. Subiu em uma das pedras que circundavam a porção d’água. Sem olhar pra baixo, mergulhou. Quando caiu, a dor a tomou. A água estava tão fria que quase que imediatamente todos os ossos de seu corpo estavam doloridos. Não se importou. Qualquer coisa era melhor que a dor que a acompanhava há anos. Qualquer coisa pra deixar de senti-la por alguns minutos que fossem. Qualquer dor era menor. Qualquer angústia era menos atordoante. Qualquer ferida sangraria menos. E se fosse para se livrar disso, que congelasse ali.
Mas ela não queria. Não queria sumir, não queria deixar de sentir, por mais doloroso que fosse. Quando seu corpo estava quase completamente roxo, decidiu sair.
Secou-se como pôde. Vestiu suas roupas e colocou o casaco pesado. Até que chegasse em casa, sua aparência estaria melhor. Os olhos já não estariam tão vermelhos, a pele já estaria com a cor habitual e sua máscara de sorriso já estaria em seu lugar. Até que chegasse em casa, sua fantasia feliz já estaria perfeitamente montada. E por baixo da máscara, do casaco pesado e do sorriso falso... Lá estaria ela.


Texto escrito ao som de: Birdy - Shelter.

domingo, 25 de setembro de 2011

Longe do cais.


Na medida em que se afastava do solo, seus olhos fixos em um único ponto começavam a ficar marejados. O barulho das pessoas e das ondas era um silêncio eterno, diante dos gritos que ouvia vindos de algo de dentro de si mesmo. Gritava para que voltasse, para que se jogasse ao mar, passasse pelas ondas e colocasse os pés em terra firme e segura. Que voltasse para casa, que voltasse para o lar.
As lágrimas embaçavam a imagem, embaçavam aquele sorriso, aqueles olhos... Embaçava o amor. As lágrimas, que contra sua vontade, desciam descontroladamente pelas suas bochechas, o faziam sentir fraco. E fraqueza era o que ele mais detestava no mundo. Fraqueza era uma palavra que ele mal conseguia pronunciar. Não porque ele fosse destemido, não porque ele conseguisse encarar tudo de cabeça erguida, como se nada pudesse abatê-lo... Mas porque morria de medo.
Enxugou as lágrimas como uma criança envergonhada, esfregando o rosto com as mangas da blusa. Colocou uma máscara, vestiu o habitual disfarce e virou as costas para o cais.
Deixaria tudo para trás. Pelo bem dela, pelo bem da sua sanidade. Deixaria tudo para trás, por medo de demonstrar que era fraco. Longe, ninguém nunca saberia disso.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Desolada.



Ela andava pelos destroços como quem anda sobre sua própria sepultura.
Procurava por um objeto conhecido, ou qualquer coisa que provasse que não estava alucinada, que aquilo não era uma visão... Do inferno.
Procurava por alguém. Mas rezava - ao Deus que permitira que sua vida fosse reduzida a nada - para que não encontrasse.
Todos os rostos que via eram apenas feições estranhas, escondidos sob máscaras esculpidas num concreto de dor e desespero.
A dor concretizada, junto ao concreto destruído.
Jogado num monte do que parecia ser lixo - mas eram até outro dia, vidas - encontrou.
Rostos.
O seu próprio e os outros. Os rostos que estavam naquela vastidão de lixo humano.
Eles sorriam.
Seu peito foi dilacerado. Uma faca invísivel cortou-lhe a carne até que não era mais possível ver nada além de seu sangue, que se misturava ao dos outros. Sua carne agora era apenas um peso como qualquer outro ali.
Seu corpo foi para o monte de lixo.
Mais um humano para a pilha suja.
Mais um coração, que mesmo batendo, morria, lentamente...
Ela olhou aquele céu cinza, nublado de poeira.
Lembrou dos outros, tentou guardar em sua alma o que restava de si, e se foi.

sábado, 23 de julho de 2011

Verdades.

- Eu não vou machucar você.
Traduzindo: Eu aposto meu braço direito como eu vou magoar você em menos de uma semana, vou me desculpar, você vai aceitar e dias depois vou magoá-la de novo.
- Eu sei que não vai, eu confio em você.
Traduzindo: Eu não acredito em um terço dessas palavras. Já as ouvi antes e a consequência doeu dez vezes mais que um soco no estômago.
- Eu te amo.
Traduzindo: Eu te amo.
- Eu também amo você.
Traduzindo: Eu também amo você.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Minha fé desmoronava a cada batida do meu coração. Todos os dias eu pegava pedaço por pedaço e tentava, sem sucesso, fazê-la tomar alguma outra forma que não fosse uma desgraça fragmentada em centenas de pequenos feixes sem luz.
O que eu me esforçava para (quase) construir, o mundo, com sua crueldade enlouquecida, destruía em segundos.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Respirando palavras.

Sinto minha pele formigando. Meu peito apertando. Minha alma inflando.
Palavras me preenchem, misturando-se ao meu sangue.
Querem sair, correr até meus dedos e se eternizarem em algo palpável. Querem mostrar-se ao mundo, gritar em silêncio.
Mas algo as impede. Talvez essa maldita bola de insegurança presa em minha garganta.
Tento puxar o ar. Mas só o que vem são mais e mais palavras aleatórias e frases inacabadas.
Músculos, ossos, pele e sangue. E palavras. Milhares delas.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Sem futuro.

Não há futuro para você
Não há futuro para mim
Não há futuro para o papa
Muito menos há futuro para o presidente

Não há futuro para o mendigo passando frio na calçada
Não há futuro para o cachorro fuçando o lixo
Não há futuro para o carteiro, médico, padeiro, advogado ou lixeiro

Não há futuro para a rainha da Inglaterra
Nem para toda aquela realeza avarenta e mesquinha
Não há futuro

Tudo que existe é o presente
Um presente embrulhado num papel dourado e brilhante
Amarrado por uma fita vermelha, formando um bem desenhado laço

Um belo e grandioso presente...

Que a qualquer hora, pode se tornar uma bomba
E explodir bem aí, nessa sua cara mal lavada.

sábado, 25 de junho de 2011

Doce monstro.


Árvores, árvores. Ela. Árvores. E a solidão de estar só entre as árvores.
Andava como se não estivesse ali. As folhas gritavam a cada passo que ela dava.
Era uma criatura perdida, desolada.
Um par de olhos a observava.
Grandes olhos negros e profundamente fascinados com o que viam. Entre todas aquelas árvores, na imensidão daqueles troncos cobertos por folhas, ele nunca havia se deparado com nada parecido.
Aquela pele branca, aqueles olhos verdes, e aquela fragilidade. Era tão linda... Teve medo de que de repente, ela se quebrasse, ou sumisse. Se esforçava para não piscar. Não queria perdê-la de vista. 
Ela andava de cabeça baixa, meio encolhida. Parecia que sentia dor. Não sabia se era física ou não. Sentiu um ímpeto de ir até lá... Mas se conteve. Continuou a observar.
Ela andava apressada em direção a uma montanha. A mais alta.
O coração do dono dos olhos negros acelerou. Não sabia quem era ela, não sabia de onde vinha. Mas sabia que algo estava errado.
A dona dos olhos verdes subia, e subia. Se encolhia em volta de si mesma.
Era angustiante olhar aquilo. Mas ele sabia. Se fosse até lá, ela se assustaria. Ele não queria assustá-la, não queria fazer mal a ela..
Ela chegou ao topo. Olhando para algum lugar que só ela sabia, deu alguns passos. Parou na ponta de uma pedra. Era alto, era incrivelmente alto.
Fechou os olhos. Saltou.
O dono dos olhos negros morria por dentro enquanto corria. Não sabia porque corria. Não havia mais nada a ser feito. Mas mesmo assim suas pernas não paravam de se mover. Cada vez mais rápido.
Não foi até ela. Foi até a mesma montanha em que ela esteve. Subiu na mesma pedra em que seus pés haviam tocado. Olhou para baixo e viu aquele corpo frágil. Seu medo se tornara realidade. A pequena criatura branca se quebrara.
Olhando para baixo, foi encontrar-se com ela. Agora ela não teria medo. Sua alma não a assustaria. 
Quando tocou o chão, seu corpo ficou exatamente ao lado do dela. Seus negros olhos ficaram abertos, encontrando os pequeninos olhos verdes da doce criatura frágil.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Liberta.



Enquanto um mundo caótico acontecia lá fora, dentro de seus pensamentos frenéticos ela se via caindo cada vez mais lenta e assustadoramente. Corpos esbarravam no seu, fazendo-a se desequilibrar e cair. Cair no fundo do abismo de dor que esperava com um sorriso, por ela. Vez ou outra, um par de olhos a fitava por dois ou três segundos. Mas ela não notava. Estava absorta em sua própria desgraça. Havia se enclausurado numa espécie de casca de proteção, onde não via, não ouvia, não sentia, não entendia nada além de sua cruel e conhecida dor. 
Não muito longe dali, já podia-se ouvir o ruído de um trem correndo pelos trilhos de metal. Estava na hora. Ela havia comprado o bilhete há algumas semanas, e não podia perder esse trem. Não podia.
Ela olhou o relógio. Faltavam pouco mais de trinta segundos. Respirou fundo. Finalmente iria partir.
"Ela vai mesmo fazê-lo...", pensou alguém que olhava por ela, de um lugar que ela não podia ver.
Nesse segundo, o mundo silenciou por um momento. 
Quando os rostos finalmente olharam para aquela alma destruída, ela já não estava mais ali.
Havia pego seu trem, sem atraso.
Seu corpo se encontrava nos trilhos. Uma mistura de metal, sangue e dor. 
Não, dor não.
A dor havia passado. E foi assim, que pela primeira vez em anos, aquela doce criatura sorriu. Estava liberta.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

É incrível como a saúde física pode estar perfeitamente intacta, enquanto a saúde mental e emocional está destruída. É assim que ela acordava todo dia. Tinha a sensação de de estar passando por um resfriado sentimental sem cura.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Um em um milhão.



Uma bolha flutuante. Um anão entre gigantes.
Uma peça solta, um fio desencapado. Um navio naufragado.
Um fio de cabelo branco entre milhares de fios negros.
Ou o sobrevivente negro no meio dos fios brancos.
Um ser humano entre bilhões.
Uma pedrinha entre as rochas.
Uma gota no dilúvio.
Um ano em um século.
Um elo da corrente.
Cor no preto e branco.
Um cão de rua vagando por aí, na chuva, no sol, sem rumo nem direção, só andando, andando...